Distribuição
Um dos pontos de maior debate no âmbito da organização judiciária brasileira versa sobre os critérios para a distribuição de novos processos. Segundo o que prevê as normas processuais, a regra geral é a de que o órgão jurisdicional seja escolhido por sorteio.
A medida busca preservar a garantia do juiz natural, previsto constitucionalmente, afastando a pessoalidade quando da identificação do magistrado que conduzirá e, potencialmente, julgará o caso.
Apesar de tais previsões, não é incomum constatar nos sistemas processuais ou de distribuição hoje existentes falhas que potencializam a emergência de desvios, sejam eles dolosos ou culposos. Redução da distribuição de um juízo em detrimento de outros, ausência de informações transparentes sobre a distribuição, omissão de dados relevantes sobre a distribuição, escolha de critérios que levam a pouca ou nenhuma aleatoriedade, entre outros, são alguns dos problemas que podem ser constatados.
O objetivo deste documento é apresentar um método de distribuição que corrija essas falhas, quebrando alguns paradigmas que até hoje são utilizados. Ele se destinará a orientar a elaboração de funcionalidades pertinentes à distribuição e redistribuição de processos judiciais eletrônicos, em especial aquelas do sistema processual de que trata o TCOT n.o 073/2009, o PJe.
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Premissas
- a definição da competência de um determinado órgão jurisdicional é feita por um relacionamento entre o órgão e um conjunto de critérios ou dimensões definidoras da competência: (a) procedimental (classes processuais); (b) material (assuntos processuais); (c) pessoal (tipo de pessoa que compõe o processo); (d) funcional (tipo de cargo indicado como impetrado nos HC, HD e MS, e tipo de cargo eventualmente ocupado pelo réu em processos criminais); (e) territorial (locais de abrangência da competência do órgão) e (f) alçada (valor da causa, na competência cível, e intensidade da pena, no criminal), sendo as classes e os assuntos aqueles previstos na Resolução CNJ n.o 46/2007 ou, ao menos, em uma taxonomia fixa. No que concerne à dimensão territorial, sua definição deve poder ser feita por municípios e também por enumeração de códigos de endereçamento postal;
- o volume de processos em tramitação sob responsabilidade de um determinado órgão jurisdicional é irrelevante para a busca de equidade da distribuição;
- a existência ou inexistência de magistrado vinculado a um cargo de órgão jurisdicional é irrelevante para a busca de equidade da distribuição;
- os registros de processo incluirão a possibilidade de indicação de possíveis processos conexos/preventos, assim como se essa indicação é inequívoca (ou seja, decorrente de comparação de um dado inequívoco, como o CPF) ou duvidosa (exemplo seria pessoas sem identificação documental unívoca);
- a distribuição deve ser feita sempre por sorteio do cargo judicial do órgão jurisdicional de destino, à exceção dos casos de distribuição por dependência;
- a aparência de prevenção não conduz automaticamente à modificação do órgão jurisdicional distribuído por sorteio;
- a aparência de impedimento ou de suspeição não conduz automaticamente à modificação do órgão jurisdicional distribuído por sorteio;
- o sistema deve ser capaz de associar ao processo judicial alertas dirigidos a magistrados eventualmente afetados por circunstâncias constatadas no momento da distribuição;
- após decisão judicial, a unidade judiciária a que está ligado o órgão jurisdicional poderá anotar, no processo, a emergência de impedimento ou suspeição de modo a permitir que os autos sejam encaminhados, com ou sem redistribuição, ao magistrado substituto daquele que declarou o impedimento ou a suspeição;
- o sistema deve ser capaz de encaminhar os dados relevantes para a definição da distribuição para repositório central, sejam eles os originais, sejam as alterações posteriores, ainda que pontuais;
- o sistema já contém o cadastro de órgãos jurisdicionais;
- os cargos dos órgãos jurisdicionais devem manter acumuladores de pesos de processos distribuídos e acumuladores de pesos de processos em andamento;
- os órgãos jurisdicionais colegiados são resultado de sua composição por órgãos jurisdicionais singulares;
- os órgãos jurisdicionais singulares contém um ou mais cargos judiciais;
- um órgão jurisdicional singular pertencente a um órgão jurisdicional colegiado pode ser identificado como o órgão dirigente desse órgão jurisdicional colegiado;
- um órgão jurisdicional colegiado somente pode ter um órgão jurisdicional singular figurando como seu dirigente;
- a competência de um órgão jurisdicional singular vinculado a um órgão jurisdicional colegiado deve ser o conjunto de competências do órgão jurisdicional colegiado, ou, se existir e exclusivamente, o conjunto de competências do próprio órgão jurisdicional singular;
- se um órgão julgador singular tiver definição própria de competência, ele não pode ser adicionado a mais de um órgão julgador colegiado.
Definições
- Cargo Judicial
Cargo público ao qual será vinculado o magistrado e que compõe um determinado órgão jurisdicional singular.
- Conexão Civil
Fenômeno que determina o julgamento de mais de um processo civil por eles compartilharem, entre si, seus objetos (pedidos ou parte dos pedidos) ou causas de pedir (fundamentos fáticos do pedido).
- Conexão Criminal
Fenômeno que determina o julgamento de mais de um processo criminal por um órgão jurisdicional, ocorrente quando esses processos tratam de crimes:
- praticados ao mesmo tempo por várias pessoas reunidas;
- praticados por várias pessoas em concurso embora diversos tempo e/ou lugar;
- praticados por várias pessoas, umas contra as outras;
- praticados um para facilitar a prática do outro;
- praticados um para ocultar a prática do outro;
- praticados um para conseguir vantagem ou impunidade em relação ao outro; ou
- cuja prova da existência ou das circunstâncias de um influir na prova do outro.
- Continência Civil
Fenômeno que determina o julgamento de mais de um processo civil por eles apresentarem os mesmos polos processuais e os pedidos formulados em um dos processos abrangerem aqueles existentes no outro.
- Continência Criminal
Fenômeno que determina o julgamento de mais de um processo criminal por um órgão jurisdicional, ocorrente quando esses processos
- acusam, cada um deles, pessoas diferentes pela prática de uma mesma infração;
- tratam de infrações realizadas em concurso formal (art. 70 do CP);
- tratam de infrações realizadas por um mesmo ato em erro de execução (art. 73, segunda parte, do CP); e
- tratam de infrações diversas realizadas por um mesmo ato em que surge um resultado diverso do pretendido (art. 74 do CP).
- Dependência
Fenômeno que determina a distribuição de um processo ao juízo que conduz outro processo a que está legalmente interligado, esteja o processo mais antigo em tramitação ou não. Seria uma espécie de prevenção “obrigatória”.
- Distribuição
Ato em que se define o órgão jurisdicional responsável por conduzir e julgar um determinado processo judicial.
- Impedimento
Fenômeno caracterizável objetivamente que proíbe que um determinado magistrado aprecie pedidos ou conduza processos que estão afetados ao órgão jurisdicional a que está vinculado.
- Magistrado
Pessoa investida de jurisdição que, momentaneamente ou não, está vinculada a um determinado cargo judicial componente de órgão jurisdicional, sem com ele se confundir.
- Órgão Jurisdicional
Unidade diretamente responsável por conduzir e decidir, ou, no caso de colegiados, conduzir e propor decisão, um determinado processo judicial.
- Órgão Jurisdicional Singular
Órgão jurisdicional em que a decisão é tomada exclusivamente pelo ocupante de um de seus cargos.
- Órgão Jurisdicional Colegiado
Órgão jurisdicional composto por mais de um órgão jurisdicional singular em que a decisão final deve ser tomada pela conjunção das decisões dos ocupantes de um dos cargos dos órgãos jurisdicionais singulares que o compõe.
- Prevenção
Fenômeno em que um órgão jurisdicional pode passar a ser o competente para apreciar um determinado processo judicial
- Processo judicial
Conjunto de pedidos, formulados por uma ou mais pessoas submetidos à apreciação judicial
- Suspeição
Fenômeno caracterizável objetivamente ou não que proíbe que um determinado magistrado aprecie pedidos ou conduza processos que estão afetados ao órgão jurisdicional a que está vinculado.
Distribuir processo
Ordinariamente, a distribuição ocorrerá ao ser protocolada uma ação. Sendo assim, com exceção dos casos de distribuição manual, no protocolo será definido o órgão jurisdicional responsável pelo processo.
Pré-condições
- O processo deverá estar cadastrado contendo todas as partes envolvidas em seus respectivos polos.
- O processo deverá estar cadastrado contendo os dados de classe e assuntos a respeito do qual versa.
- O sistema deverá conter todos os pesos e distâncias relevantes para a distribuição.
- Os órgãos julgadores devem estar cadastrados com as informações pertinentes à competência (dimensões territorial, pessoal, funcional e material)
Procedimento de distribuição
- Verificação de prevenção do processo, o que pode levar ao caso de prevenção obrigatória (dependência)
- Recuperação dos dados de órgãos jurisdicionais passíveis de serem alvo da distribuição
- Sorteio do processo entre os órgãos identificados
- Associação do processo ao órgão jurisdicional sorteado, adicionando a seu acumulador o peso de distribuição do processo, conforme regras RN368, RN369 e RN371
- Geração do número do processo
- Apresentação ao usuário do número do processo na forma de um recibo de protocolo e distribuição
Prevenção
A prevenção é o fenômeno processual em que um órgão jurisdicional pode passar a ser o competente para apreciar um determinado processo judicial. O objetivo dessa previsão normativa é assegurar uma maior racionalidade na divisão do trabalho e evitar a ocorrência de decisões conflitantes sobre o mesmo assunto. Nesse cenário, a funcionalidade de prevenção do PJe identifica a existência de prevenção de um processo judicial novo em relação a outros processos antes ajuizados.
Do ponto de vista normativo, a conexão, a continência e a prevenção estão reguladas no Brasil pelos seguintes preceitos legais:
- Artigos 103, 104, 105, 106 e 253 do Código de Processo Civil
- Artigos 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, e 83 do Código de Processo Penal
- Artigo 99 do Código de Processo Penal Militar
Os requisitos da prevenção no PJe procuram permitir que se alerte os membros do Judiciário sobre a existência de uma possível conexão ou continência indicadora de possível ocorrência de hipótese de prevenção . Não se pretende, com isso, nem esgotar as hipóteses em que ela pode ser acusada nem ampliar de tal modo a verificação que ela caia em descrédito. Buscou-se um equilíbrio entre as verificações mais genéricas – que podem resultar em muitos possíveis preventos – e verificações muito específicas – que pode deixar de apontar um verdadeiro possível prevento.
A verificação em relação aos processos criminais é muito menos precisa, mas isso é resultado direto das várias fórmulas e possibilidades de ocorrência de prevenção decorrentes da legislação e da própria realidade. Isso, combinado com a inviabilidade atual de se exigir dados estruturados sobre os elementos essenciais da denúncia1 no atual momento cultural da prática forense.
Atualmente, o PJe faz a verificação de prevenção automaticamente, no ato da distribuição do processo ou da redistribuição pontual.